Recomendações de consulta
Assuntos culturais
Bibliotecas Virtuais
Blogues Parceiros
Documentários
Instituições Ensino Superior
Para mais consulta
Esquina do tempo por Brito-Semedo © 2010 - 2015 ♦ Design de Teresa Alves
Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Magazine Cultural a divulgar Cabo Verde desde 2010
Brito-Semedo, 1 Set 16
Em Memória de Nh´Antone Julin, “doutor de ossos” de São Nicolau
Comemorou-se ontem, 31 de Agosto, o Dia da Medicina Tradicional Africana.
Em Cabo Verde, a medicina popular ou tradicional existiu desde sempre como uma alternativa, algumas vezes até como complemento à medicina científica, por ser simples, acessível, rápida e barata para responder às necessidades das comunidades das ilhas, sobretudo as mais frágeis economicamente.
Sou Antropólogo, com especialidade em etnologia, com trabalhos desenvolvidos no âmbito da etnohistória de Cabo Verde. Não sendo, portanto, da área da etnomedicina, voltada para a conservação e a recuperação da saúde, nem da área da etnobotânica, que lida com a utilização de plantas medicinais, com práticas que têm sido transmitidas oralmente ao longo dos séculos, trarei algumas notas, mais em jeito de evocação que de reflexão, sobre alguns aspectos da medicina popular e familiar, praticada pelos membros das nossas comunidades, enquanto manifestação cultural.
A minha infância e adolescência, anos 50 e 60, foram repartidas entre Mindelo e Praia, que é como quem diz, entre “mótes de chá” da Mãi Liza, e “ramédis di téra” da Nhanhã, as mezinhas caseiras usadas na altura para curar as maleitas da miudagem.
O conceito por mim aqui usado para definir “mótes de chá” (Mindelo) compreende palhas de chá, as mais diversas, xaropes, plantas, produtos animais, óleos e unguentos, idos de Santo Antão e vendidos no Pelourinho de Verdura / Mercado Municipal. Da mesma forma, o conceito de “ramédis di téra” (Praia), refere-se a folhas de chá, xaropes, plantas, produtos animais e óleos, trazidos do interior da ilha, e também minerais, estes, vindos do vulcão do Fogo (‘scontra, enxofre e pedra-ume), vendidos numa secção própria do Mercado Municipal, com a réplica no Mercado de Santa Catarina e do Tarrafal.
O tabaco ou o rapé era usado para curar e ajudar a cicatrizar o umbigo; os “mótes de chá” ou “fódjas di chá” para as cólicas abdominais dos bebés, as febres, as dores de estômago e intestinais; as pílulas da babosa como laxante para ajudarem a “obrar”; o óleo de fígado de bacalhau para eliminar os parasitas intestinais; as teias de aranha e as folhas da “bombardera” (planta da sumaúma) para cobrirem as ”fridas d‘ canela”; o “leite de bombardera” para curar as entorses provocadas pelo jogo da bola; o grogue queimado com açúcar para os resfriados e a rouquidão; os xaropes de cenoura, de agrião e de cebola para a tosse; o sabão de terra (óleo da purgueira) para a sarna e demais problemas da pele; por aí fora, com grande eficácia, diga-se.
Já na minha adolescência e juventude, anos 60 e 70, conheci em S. Vicente o Nhô Djack de Cinema, homem de São Nicolau com cerca de dois metros de altura, um “endireita” que, com delicadeza e depois de desinfectar as mãos com 10$00 de grogue, fazia maravilhas para levar os ossos deslocados ao lugar. Falava-se então do Nh´Antone Julin, em São Nicolau, um verdadeiro “doutor de ossos”, que também conhecia as propriedades da areia quente da praia do Tarrafal e dos banhos de folhas de plantas para a cura do reumatismo.
Abro parêntese para informar que ainda hoje, São Nicolau tem o seu “endireita”, Carlos Brito, de 56 anos, natural da Ribeira Brava, conhecido por Carlos d’ Antone Silos, que, nos inícios de oitenta, emigrante na Holanda, curou o Rei da Bélgica dos seus problemas na região lombar. Sujeito a complicações em caso de uma intervenção cirúrgica, o médico cabo-verdiano a residir na Bélgica, Dr. Yuk (Adrião Monteiro), especialista em Cirurgia Ortopédica, recomendou ao Rei esse seu patrício que uma vez o tinha tratado de uma fratura num braço. Dito e feito. Fecho parêntese.
Havia também o “grogue de drago” ou o “grogue de sangue-de-drago” (seiva de dragoeiro) usado como fortificante e para dores de corpo, gripe e febre. Falava-se à boca pequena de homens mais velhos que arranjavam raparigas novas e que tomavam regularmente o seu calicezinho de grogue de percebes ou de “bargadjo” (pixin-de-targura), de efeitos afrodisíacos, dizia-se.
Reconheço que a medicina popular ou tradicional é um assunto muito mais complexo do que aqui está a ser dito, que há uma enorme variedade de métodos utilizados para o tratamento de doenças e que estes métodos são baseados no conhecimento compartilhado ao longo de muitas gerações, ocasionalmente enriquecido pela experiência pessoal.
Embora seja hoje relativamente fácil o acesso às estruturas básicas de saúde em Cabo Verde, é preciso haver investigação na área da medicina tradicional que dê conta e nos mostre em que medida essas práticas constituem alternativa à medicina convencional.
No que respeita às plantas medicinais, de que existem já alguns trabalhos etnográficos, o Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento Agrário (INIDA), reconhece que é “urgente um estudo científico com a finalidade de justificar o seu uso em bases correctas, e generalizar o conhecimento de algumas espécies endémicas medicinais num total de vinte e quatro espécies, existentes em Cabo Verde”.
Losna, coroa-de-rei, língua-de-vaca, erva-cidreira, alecrim, agrião-de-rocha e cravo-bravo são algumas dessas plantas utilizadas na medicina tradicional.
– Manuel Brito-Semedo
Esquecer!? Ninguém esquece…
Suspende fragmentos na câmara escura, que se revelam à luz da lembrança...
Ainda bem que existe, Brito-Semedo, para nos ir le...
Porfavor, o nome do poeta deste poema maravilhoso?
A musica de cabo verde é especial.. deveria ser ma...
Bolas !!!